QUAL O PERCENTUAL QUE A CONSTRUTORA PODE RETER DO CONSUMIDOR NO CASO DE DISTRATO DO CONTRATO?

A recessão econômica que o Brasil esta vivendo nestes últimos dois anos tem acarretado diversos problemas para os brasileiros que adquiriram imóveis na planta, diretamente com as construtoras.

Estes consumidores, em decorrência da crise, tiveram seus financiamentos negados pelas Instituições Financeiras ou perderam o emprego ou se viram incapacitados de pagarem as prestados e, portanto, necessitaram rescindir o contrato e devolver o imóvel a construtora.

Porém, ao optarem pelo distrato do contrato junto à construtora, se depararam com outro problema, a multa contratual cobrada pelas construtoras, ou seja, o valor que as construtoras retém dos pagamentos efetuados pelos consumidores, a título de multa.

Segundo a agência de classificação de riscos Fitch, em pesquisa realizada com nove construtoras, foram constatados números assustadores, de cada 100 imóveis vendidos, 41 foram devolvidos de janeiro a setembro de 2015, sendo que em anos anteriores esse número não passava de 10%. Para 2016 a expectativa é de que o número de desistências ultrapasse os 50%.

O contrato de promessa de compra e venda firmado com as construtoras estabelece diversas cláusulas abusivas e ilegais, principalmente no caso de distrato contratual, o qual há cláusulas que preveem até 90% de retenção contratual.

Cuida-se de saber no presente artigo se, rescindido o contrato de promessa de compra e venda de imóvel, celebrado diretamente com a construtora/incorporadora, as parcelas pagas devem ser restituídas de imediato ou poderá ser devolvido somente ao término da obra e se a construtora/incorporadora pode reter, a título de multa, algum valor do comprador e qual é o percentual legal para retenção.

Certo que é de longa data a jurisprudência firme no Tribunais Superiores no sentido que, mesmo inexistindo literal  disposição de lei que imponha a devolução imediata do que é devido pelo promitente vendedor de imóvel, inegável que o Código de Defesa do Consumidor optou por fórmulas abertas para a nunciação das chamadas “práticas abusivas” e “cláusulas abusivas”, lançando mão de um rol meramente exemplificativo para descrevê-las. Daí a menção não exauriente contida nos arts. 39 e 51:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas […]; […]

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que […].

Nessa linha, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça  vem proclamando, reiteradamente, ser abusiva, por ofensa ao art. 51, incisos II e IV, do Código de Defesa do Consumidor, a cláusula contratual que determina, em caso de rescisão de promessa de compra e venda de imóvel, a restituição das parcelas pagas somente ao término da obra, haja vista que poderá o promitente vendedor, uma vez mais, revender o imóvel a terceiros e, a um só tempo, auferir vantagem com os valores retidos – além da própria valorização do imóvel, como normalmente acontece.

Há diversos outros precedentes que também consideram abusiva a devolução do valor pago pelo comprador de forma apenas parcelada:

“PROCESSO CIVIL. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO EM AGRAVO. PRETENSÃO RECEBIDA COMO AGRAVO REGIMENTAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO CONTRATUAL. DEVOLUÇÃO Documento: 28285888 – RELATÓRIO, EMENTA E VOTO – Site certificado Página 8 de 11 Superior Tribunal de Justiça DAS PARCELAS PAGAS. RAZOABILIDADE NA DETERMINAÇÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM DE RETENÇÃO DE 20% A TÍTULO DE DESPESAS ADMINISTRATIVAS. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS DE FORMA PARCELADA. ABUSIVIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. FALTA DE COTEJO ANALÍTICO. SIMPLES TRANSCRIÇÃO DAS EMENTAS. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. […] 3.- Esta Corte já decidiu que é abusiva a disposição contratual que estabelece, em caso de resolução do contrato de compromisso de compra e venda de imóvel, a restituição dos valores pagos de forma parcelada, devendo ocorrer a devolução imediatamente e de uma única vez. […] 5.- Agravo Regimental a que se nega provimento. (RCDESP no AREsp 208.018/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/10/2012, DJe 05/11/2012)”

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. IMÓVEL. RESOLUÇÃO DO CONTRATO. DEVOLUÇÃO DAS PRESTAÇÕES ADIMPLIDAS DE FORMA IMEDIATA E EM PARCELA ÚNICA. 1 – Abusiva a disposição contratual estabelecendo, em caso de resolução do contrato de promessa de compra e venda de imóvel, a restituição das prestações pagas de forma parcelada. 2 – Com a resolução, retornam as partes contratantes à situação jurídica anterior (“status quo ante”), impondo-se ao comprador o dever de devolver o imóvel e ao vendedor o de ressarcir as prestações até então adimplidas, descontada a multa pelo inadimplemento contratual. 3 – Precedentes específicos desta Corte. 4 – AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO PARA CONHECER DO RECURSO ESPECIAL E LHE DAR PROVIMENTO. (AgRg no REsp 677.177/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe 16/03/2011)”

É antiga a jurisprudência da Segunda Seção no sentido de que o promitente comprador de imóvel pode pedir a resolução do contrato sob alegação de insuportabilidade da prestação devida:

“PROMESSA DE VENDA E COMPRA. RESILIÇÃO. DENÚNCIA PELO COMPROMISSÁRIO COMPRADOR EM FACE DA INSUPORTABILIDADE NO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. RESTITUIÇÃO. – O compromissário comprador que deixa de cumprir o contrato em face da insuportabilidade da obrigação assumida tem o direito de promover ação a fim de receber a restituição das importâncias pagas. Embargos de divergência conhecidos e recebidos, em parte. (EREsp. 59870/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/04/2002, DJ 09/12/2002, p. 281)”

É assente o entendimento de que a resolução do contrato de promessa de compra e venda de imóvel por culpa (ou por pedido imotivado) do comprador, no caso consumidor, gera o direito de retenção, pelo vendedor, de parte do valor pago, isso para recompor eventuais perdas e custos inerentes ao empreendimento, sem prejuízo de outros valores decorrentes, por exemplo, da prévia ocupação do imóvel pelo consumidor.

No mencionado precedente da Segunda Seção (EREsp. 59.870/SP) adotou-se como parâmetro razoável – mas não peremptório – para a retenção o percentual de 25% sobre as parcelas pagas pelo consumidor, entendimento que vem sendo replicado cotidianamente por esta Corte: EAg 1138183/PE, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/06/2012; AgRg no REsp 927.433/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 14/02/2012; REsp 838.516/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/05/2011; AgRg no Ag 1010279/MG, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 12/05/2009.

Portanto, a consequência jurídica para a resolução do contrato por culpa do promitente comprador é a perda parcial das parcelas pagas em benefício do construtor/vendedor, devendo o saldo, todavia, ser restituído imediatamente à resolução da avença.

Em sentido oposto, na hipótese de o construtor/vendedor der causa à resolução do contrato, por óbvio a restituição das parcelas pagas deve ocorrer em sua integralidade, nos termos da torrencial jurisprudência da Casa: AgRg nos EAg 616048/RJ, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/05/2006; REsp 644.984/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/08/2005, DJ 05/09/2005; EDcl no REsp 620.257/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/09/2008; AgRg no Ag 830546/RJ, Rel. Documento: 28285888 – RELATÓRIO, EMENTA E VOTO – Site certificado Página 1 0 de 11 Superior Tribunal de Justiça Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 14/08/2007.

É importante salientar, por oportuno, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido, nas hipóteses de rescisão de contrato de promessa de compra e venda por inadimplemento do comprador, a flutuação do percentual de retenção pelo vendedor entre 10% e 25% do total da quantia paga, conforme as particularidades do caso concreto. Nesse sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL. DIREITO CIVIL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESOLUÇÃO. RETENÇÃO DE PARTE DO VALOR PAGO. POSSIBILIDADE. PERCENTUAL. 10% A 25% SOBRE AS PARCELAS APORTADAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7. AGRAVO QUE NÃO IMPUGNA O FUNDAMENTO CENTRAL DA DECISÃO AGRAVADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 182/STJ. […] 4. Tendo em vista que o valor de retenção determinado pelo Tribunal a quo (10% das parcelas pagas) não se distancia do fixado em diversas ocasiões por esta Corte Superior (que entende possível o valor retido flutuar entre 10% a 25%), o recurso especial não prospera. 5. Recurso não provido.” (AgRg no REsp 1.110.810/DF, QUARTA TURMA, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, julgado em 3/9/2013, DJe de 6/9/2013)”

“DIREITO CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO. INADIMPLÊNCIA DO COMPRADOR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. CABIMENTO. RETENÇÃO DE PARTE DOS VALORES PELO VENDEDOR. INDENIZAÇÃO PELOS PREJUÍZOS SUPORTADOS. CABIMENTO. ARRAS. SEPARAÇÃO. 1. A rescisão de um contrato exige que se promova o retorno das partes ao status quo ante, sendo certo que, no âmbito dos contratos de promessa de compra e venda de imóvel, em caso de rescisão motivada por inadimplência do comprador, a jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de admitir a retenção, pelo vendedor, de parte das prestações pagas, como forma de indenizá-lo pelos prejuízos suportados, notadamente as despesas administrativas havidas com a divulgação, comercialização e corretagem, o pagamento de tributos e taxas incidentes sobre o imóvel e a eventual utilização do bem pelo comprador. 2. O percentual de retenção – fixado por esta Corte entre 10% e 25% – deve ser arbitrado conforme as circunstâncias de cada caso. […] 5. Recurso especial a que se nega provimento.” (REsp 1.224.921/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 26/4/2011, DJe de 11/5/2011)”

Diante do exposto neste artigo cabe chegar as seguintes conclusões:

  1. O comprador, ora consumidor, pode pedir a resolução do contrato sob alegação de insuportabilidade da prestação devida;
  2. O comprador deverá ser restituído de imediato, não necessitando aguardar o final da obra;
  3. O vendedor não poderá parcelar a devolução do valor ao comprador;
  4. O vendedor somente poderá reter, a título de compensação pelas despesas administrativas que incorreu, o percentual de 10% a 25% do valor, dependendo de cada caso.

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